O tê dele

Eu não sou pessimista... Não o tempo todo! Por exemplo, eu estava em uma rua mal iluminada, deserta e bem tarde da noite. Qualquer pessoa poderia enlouquecer. Eu tenho amigos que surtariam, a maioria pegaria táxi para correr os cinco quarteirões que eu precisava atravessar, unicamente pela segurança. Eu sou muito pão-duro para isso, é quase como ir contra meus princípios, é ideológico. Como eu dizia, aliás, isso é algo a ser observado: eu sou muito disperso e um tanto prolixo, digo que tenho víeis Clarice Lispector no que se refere ao fluxo de pensamento, pois deixo correr solto e quando vejo mudei de assunto. Você pode reparar facilmente pelas minhas sentenças, geralmente longas, interrompidas por uma vírgula que separa frases e, às vezes, assuntos completamente diferentes, porque eu simplesmente não consigo parar de escrever para colocar o ponto final. Aliás, o ponto final é o sinal de pontuação mais feio que existe, é muito sem graça, por isso gosto de reticências, interrogações, exclamações... Mudei de assunto de novo, não é? Pois bem, voltando, estava eu caminhando pela rua deserta e escura, sozinho, sem qualquer medo. Não sou muito medroso, não consigo pensar em nada que eu tenha medo, exceto ratos, ratazanas, não sei o porquê, mas eu tenho medo desses bichos. E pombos, que são ratos, com o adendo das asas. Estava eu, sem medo e nenhum pouco pessimista, o que poderia acontecer em cinco quarteirões? Certamente aconteceu para eu poder estar escrevendo essa história!

Faltando um quarteirão apareceu um cara maltrapilho, caminhando torto, sujo, com capuz no rosto. Morri! Pensei no primeiro segundo, mesmo que meu corpo não tivesse movido um músculo em defesa ou simples desespero. Continuei a caminhar à sua direção. Sempre soube que se um dia a morte me viesse buscar eu não fugiria. Não por querer morrer, não quero! Apenas era minha vontade de provar uma experiência única, intrínseca, visceral, testar meu corpo, ir contra a natureza... Morrer é o auge da vida!

Fiz minha expressão sisuda, não mudei de rua, segui, iria passar ao seu lado! Se ele estivesse tão doido quanto eu imagina, não iria me reparar. No máximo teria me visto como um elfo, por que eu estava de verde. Mas ele reparou e ele tinha uma arma. Puxou, não durou dois segundo, a mim coube fácil uma eternidade.

Acho que eu sempre soube que iria morrer cedo. É mais dramático assim. Algo meio Lorde Byron, meio Álvares de Azevedo. Se eu não fosse morrer por doença certamente seria por burrice. Calma ae, eu sou, modéstia parte, muito inteligente, mas eu não sou sensato, prudente e tantas outras coisas necessárias para se fugir de uma morte idiota, como se recusar a dar o dinheiro e o celular para o ladrão. Entenda, concordar com aquilo é algo que eu não suportaria fazer. Não tem nada a ver com o dinheiro (talvez um pouco), é esse sentimento de impotência que me desagrada. É um tiro de espingarda no meu peito, é uma morte menos dramática, menos honrosa, menos vivida, é uma morte dispensável.

Fingi que não ouvi e acelerei minha corrida, que por questões dramáticas pareceu extremamente mais lenta. Algo que foi fundamental para todos os meus pelos ouriçarem, minha respiração estagnar e meu coração encerrar suas atividades. Então seria isso? Eu morreria de infarto? Logo eu que sempre prezei por uma boa alimentação e pela prática de - quando não estava cansado - algum exercício? Se bem que tudo que eu conservei estraguei com bebidas, cigarros, noites sem dormir e outras coisas que, pelo menos na hora de minha morte, eu gostaria de não lembrar. Eu, que acreditava que nunca me arrependeria das coisas que fiz, pensei em tudo que eu não deveria ter feito. Engraçado, morrer amargurado seria dos arrependimentos, o maior.

Então me refiz, ergui o peito e encarei o bandido. Não sei por que raios fiz isso. Talvez ele tivesse um pouco de compaixão se me visse nos olhos e assim desistiria. Sempre acreditei que a humanidade tivesse solução. Não poderia trair esse meu ideal.
Encarei-o com ferocidade e por instinto meu olhar vacilou para a arma. Tão cinzenta, tão enorme, tão plástica – EI! Isso é um tubo de vitamina C? Ah, tenha santa paciência. – e voltei a refazer meu caminho.

Definitivamente, não me arrependo de nada do que fiz.

Thiago Sete é também conhecido como Taz, tem 20 anos e existem boatos de que cursa Direito na UFRJ, mas deve ser porque ele geralmente está no bar em frente a esta. Tem paciência para tudo e tempo para nada, exceto ler e escrever. Parece sempre estar muito calmo, mas tem uma energia assustadora. Pode ser tudo isso que eu falei e amanhã não ser mais nada, esse é seu The X Factor: a inconstância. Gosta de rir e fazer rir e esconde em um caderno secreto verde todos os seus textos inacabados ou pessoais.